![Vestido de camisa verde, colar e calça clara brilhante, com bolinhas, David Bowie toca em Curitiba, em 1997. Bowie está de cavanhaque e com cabelo curto, penteado para trás. A iluminação do palco está na cor roxa, e o cenário é decorado com balões. Ele aparece ao centro da imagem, enquanto partes da bateria da banda de apoio podem ser vistas à direita. A logo da RPC, que fez a filmagem da imagem, surge no canto superior esquerdo, em cor clara. Bowie está de pernas abertas, levemente dobradas, segurando o microfone, no pedestal, com a mão direita. Enquanto isso, gesticula com o braço esquerdo estendido lateralmente e a mão esquerda flexionada, mostrando a palma da mão e os dedos erguidos.](https://notonlyrockandroll.wordpress.com/wp-content/uploads/2024/06/david-bowie-em-curitiba-1997-rpc-610908826-e1719676228874.jpg)
(Imagem: reprodução/RPC)
Posso te propor um exercício? Viaje comigo de volta a 1997. Época em que um certo blogueiro – vamos chamá-lo de Guilherme – tinha seis anos e descobria os joguinhos de computador. Sim, os lares de classe média agora tinham PC’s. Filmes como Hackers – Piratas de computador brincavam com as possibilidades da nova vida digital. E o mundo redescobria a Grã-Bretanha.
Era cool ser das ilhas. Literalmente: Cool Britannia. Kate Moss ditava o padrão de beleza feminino. Noel Gallagher tocava com uma guitarra ornada da Union Jack – a bandeira do Reino Unido. Tony Blair contrabalançava a antiquada sisudez de Margaret Thatcher no ministério local. As Spice Girls seduziam homens, cativavam meninas (incluindo a irmã do Guilherme) e deixavam produtores loucos de vontade de criarem um grupo pop próprio. Hugh Grant pipocava nas telonas. Trainspotting – Sem limites ouriçava a mente de roteiristas e críticos de cinema. E o Prodigy ensinava as bases da música processada ao mainstream.
Ok, mas e David Bowie? Onde ele se encaixava nisso tudo?
Bom, o Camaleão surfava na onda eletrônica. Lançava um álbum – Earthling – repleto dela, vestindo a Union Jack na capa. E vinha tocar no Brasil, num festival modernoso que passou por Curitiba.
Close-Up Planet-97. Assim se chamava o tal festival. Dotado de atrações cibernéticas, TV’s, espaço para a galerinha descolada dançar, fazer tatuagem, botar piercing. (E a gente achando que a ideia de “experiência” era recente no marketing…).
Erasure, Rita Lee e No Doubt abriam o line-up. Bowie fechava, à noite, na Pedreira Paulo Leminski.
Fabio Elias esteve lá, em 31 de outubro. Uma sexta-feira que o líder da Relespública – cheio de causos saborosos – guarda carinhosamente na memória. Ainda mais porque ele não tinha grana para comprar ingresso. Achava que perderia a passagem do ídolo por aqui. Até o inesperado salvá-lo.
“No dia anterior ao show, fui beber num boteco (…). Era o bar no centro da cidade que a galera do rock, os artistas, os músicos, os malucos todos se encontravam. (…) Sentei numa mesa, sozinho. Tava com uma parka verde com a bandeira da Inglaterra e um patch do the Who costurado.
“Tinha uma mesa duns gringos, do lado, sentados, falando em inglês. Me viram. ‘Um mod? O que um mod tá fazendo, aqui?’ ‘Senta aqui com a gente’ e tal. Sentei com eles. Comecei a conversar.
“Não é que era a equipe técnica e a banda do Bowie, juntos? O batera, a baixista e o guitarrista, mais a equipe: técnico de som, roadies, etc. Tavam todos ali no bar, também, tomando uma antes do dia do show. Eles chegaram antes. Aí, fizemos amizade. Ficamos conversando. Bebendo a noite inteira.
“Na hora de ir embora, o técnico de som – que era técnico do the Who, por coincidência – falou: ‘Fabio, amanhã apareça tal horário na frente da Pedreira, que eu te entrego uma credencial pra você ir no show.’
“(…) Fui pra Pedreira. Cheguei no horário combinado. A pontualidade britânica do cara: eu estava chegando, ele deve ter me visto e já foi ao meu encontro. Me entregou, botou a credencial no meu pescoço. Foi com uma camiseta do the Who, em minha homenagem – porque, pô, a gente falou de the Who a noite inteira. Aí, entrei no show e fiquei arregado. Assisti bem na frente do palco.
Fabio nunca tinha visto Bowie ao vivo. E curtiu no gargarejo, graças à credencial. Conferiu o No Doubt de Gwen Stefani, antes, que “também era bem legal”. E, então, o ato principal do evento. Entoando “The Jean Genie”, logo de cara.
“Caraca, bro… Puta merda… Foi uma loucura. Eu nunca vou esquecer. (…) Assistir o Bowie e fazer amizade com a banda toda, com o técnico de som… Foi um sonho, mesmo, cara.”
O repertório de quase duas horas privilegiou os discos então recentes do cinquentão: Outside e Earthling. Houve espaço para hits, entretanto. Além de “The Jean Genie”, foram tocadas a colaboração com o Queen “Under Pressure”, “Fame”, “All the Young Dudes”, “The Man Who Sold the World”… E o cover “White Light/White Heat[1]”, do Velvet Underground.
![Página do jornal Gazeta do Povo de 3 de novembro de 1997, falando sobre os shows do festival Close-Up Planet-97. Entre as apresentações comentadas está a de David Bowie, principal ato do evento.](https://notonlyrockandroll.wordpress.com/wp-content/uploads/2024/06/gp_03.11.1997_fun_pg_8.jpg)
(Gazeta do Povo repercute o Close-Up Planet-97, dando destaque ao Camaleão, em 3 de novembro de 1997. O jornal foi bastante elogioso ao inglês)
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LISTA DE CANÇÕES (via Setlist.fm)
- The Jean Genie
- I’m Afraid of Americans
- Telling Lies
- Look Back in Anger
- Seven Years in Tibet
- Strangers When We Meet
- Fashion
- Battle for Britain (The Letter)
- Looking for Satellites
- Stay
- Under Pressure
- The Hearts Filthy Lesson
- Hallo Spaceboy
- Scary Monsters (and Super Creeps)
- Little Wonder
BIS
- Fame
- All the Young Dudes
- O Superman
- The Man Who Sold the World
- Dead Man Walking
- White Light/White Heat
[1] Humberto Slowik também menciona “Waiting for the Man” em crônica publicada no caderno Fun da Gazeta do Povo (3 de novembro de 1997 – mesmo exemplar e página compartilhados acima). Isso contrasta com os setlists encontrados na internet. Outra diferença: Slowik não cita “Look Back in Anger”, “Stay” nem “The Man Who Sold the World”. Das três, contudo, sabe-se que ao menos “The Man Who Sold the World” entrou, de fato, no repertório.
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