David Bowie na Pedreira Paulo Leminski, 1997 | Grandes shows em Curitiba

Posso te propor um exercício? Viaje comigo de volta a 1997. Época em que um certo blogueiro – vamos chamá-lo de Guilherme – tinha seis anos e descobria os joguinhos de computador. Sim, os lares de classe média agora tinham PC’s. Filmes como Hackers – Piratas de computador brincavam com as possibilidades da nova vida digital. E o mundo redescobria a Grã-Bretanha.

Era cool ser das ilhas. Literalmente: Cool Britannia. Kate Moss ditava o padrão de beleza feminino. Noel Gallagher tocava com uma guitarra ornada da Union Jack – a bandeira do Reino Unido. Tony Blair contrabalançava a antiquada sisudez de Margaret Thatcher no ministério local. As Spice Girls seduziam homens, cativavam meninas (incluindo a irmã do Guilherme) e deixavam produtores loucos de vontade de criarem um grupo pop próprio. Hugh Grant pipocava nas telonas. Trainspotting – Sem limites ouriçava a mente de roteiristas e críticos de cinema. E o Prodigy ensinava as bases da música processada ao mainstream.

Ok, mas e David Bowie? Onde ele se encaixava nisso tudo?

Bom, o Camaleão surfava na onda eletrônica. Lançava um álbum – Earthling ­– repleto dela, vestindo a Union Jack na capa. E vinha tocar no Brasil, num festival modernoso que passou por Curitiba.

Close-Up Planet-97. Assim se chamava o tal festival. Dotado de atrações cibernéticas, TV’s, espaço para a galerinha descolada dançar, fazer tatuagem, botar piercing. (E a gente achando que a ideia de “experiência” era recente no marketing…).

Erasure, Rita Lee e No Doubt abriam o line-up. Bowie fechava, à noite, na Pedreira Paulo Leminski.

Fabio Elias esteve lá, em 31 de outubro. Uma sexta-feira que o líder da Relespública – cheio de causos saborosos – guarda carinhosamente na memória. Ainda mais porque ele não tinha grana para comprar ingresso. Achava que perderia a passagem do ídolo por aqui. Até o inesperado salvá-lo.

“No dia anterior ao show, fui beber num boteco (…). Era o bar no centro da cidade que a galera do rock, os artistas, os músicos, os malucos todos se encontravam. (…) Sentei numa mesa, sozinho. Tava com uma parka verde com a bandeira da Inglaterra e um patch do the Who costurado.

“Tinha uma mesa duns gringos, do lado, sentados, falando em inglês. Me viram. ‘Um mod? O que um mod tá fazendo, aqui?’ ‘Senta aqui com a gente’ e tal. Sentei com eles. Comecei a conversar.

“Não é que era a equipe técnica e a banda do Bowie, juntos? O batera, a baixista e o guitarrista, mais a equipe: técnico de som, roadies, etc. Tavam todos ali no bar, também, tomando uma antes do dia do show. Eles chegaram antes. Aí, fizemos amizade. Ficamos conversando. Bebendo a noite inteira.

“Na hora de ir embora, o técnico de som – que era técnico do the Who, por coincidência – falou: ‘Fabio, amanhã apareça tal horário na frente da Pedreira, que eu te entrego uma credencial pra você ir no show.’

“(…) Fui pra Pedreira. Cheguei no horário combinado. A pontualidade britânica do cara: eu estava chegando, ele deve ter me visto e já foi ao meu encontro. Me entregou, botou a credencial no meu pescoço. Foi com uma camiseta do the Who, em minha homenagem – porque, pô, a gente falou de the Who a noite inteira. Aí, entrei no show e fiquei arregado. Assisti bem na frente do palco.

Fabio nunca tinha visto Bowie ao vivo. E curtiu no gargarejo, graças à credencial. Conferiu o No Doubt de Gwen Stefani, antes, que “também era bem legal”. E, então, o ato principal do evento. Entoando “The Jean Genie”, logo de cara.

“Caraca, bro… Puta merda… Foi uma loucura. Eu nunca vou esquecer. (…) Assistir o Bowie e fazer amizade com a banda toda, com o técnico de som… Foi um sonho, mesmo, cara.”

O repertório de quase duas horas privilegiou os discos então recentes do cinquentão: Outside e Earthling. Houve espaço para hits, entretanto. Além de “The Jean Genie”, foram tocadas a colaboração com o Queen “Under Pressure”, “Fame”, “All the Young Dudes”, “The Man Who Sold the World”… E o cover “White Light/White Heat[1]”, do Velvet Underground.

Página do jornal Gazeta do Povo de 3 de novembro de 1997, falando sobre os shows do festival Close-Up Planet-97. Entre as apresentações comentadas está a de David Bowie, principal ato do evento.

(Gazeta do Povo repercute o Close-Up Planet-97, dando destaque ao Camaleão, em 3 de novembro de 1997. O jornal foi bastante elogioso ao inglês)

LISTA DE CANÇÕES (via Setlist.fm)

  1. The Jean Genie
  2. I’m Afraid of Americans
  3. Telling Lies
  4. Look Back in Anger
  5. Seven Years in Tibet
  6. Strangers When We Meet
  7. Fashion
  8. Battle for Britain (The Letter)
  9. Looking for Satellites
  10. Stay
  11. Under Pressure
  12. The Hearts Filthy Lesson
  13. Hallo Spaceboy
  14. Scary Monsters (and Super Creeps)
  15. Little Wonder

BIS

  1. Fame
  2. All the Young Dudes
  3. O Superman
  4. The Man Who Sold the World
  5. Dead Man Walking
  6. White Light/White Heat

[1] Humberto Slowik também menciona “Waiting for the Man” em crônica publicada no caderno Fun da Gazeta do Povo (3 de novembro de 1997 – mesmo exemplar e página compartilhados acima). Isso contrasta com os setlists encontrados na internet. Outra diferença: Slowik não cita “Look Back in Anger”, “Stay” nem “The Man Who Sold the World”. Das três, contudo, sabe-se que ao menos “The Man Who Sold the World” entrou, de fato, no repertório.

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